quarta-feira, abril 07, 2004

Fazem-se sonhos

Há ainda nas janelas folhas de papel branco com dizeres:
fazem-se arranjos
pequenos arranjos de costura.
Sempre tive vontade de entrar numa dessas casas e pedir que me arranjassem um botão, uma bainha; sempre tive vontade de espreitar caixas de costura, cheias de instrumentos que nunca soube manejar. Fazem-se sonhos, é o que querem dizer.
Sonhos feitos de pano.
Tecido em diversas cores.

Boa tarde.

segunda-feira, abril 05, 2004

Santidade

Ontem foi Domingo de Ramos.

Penso muitas vezes que a marcação religiosa do calendário é uma espécie de âncora dos dias; uma tentativa de transformar a sua passagem em algo menos vazio. O ano passado, aproveitei a frequência de um curso de fotografia (sim também tirei as minhas silly photos of my feet) para indagar a minha religiosidade. Escolhi mais ou menos propositadamente uma igreja de que não gostava: o que me interessava era não o espaço, mas o sentimento que o habita.
O resultado não foi de forma alguma brilhante - a minha vontade de acreditar não parece ter tido resposta da minha capacidade. Deve ser por isso que lhe chamam mistério da fé. Da experiência resultou uma série a que quis chamar Mónica e a santidade. Tirei-o de um conto de Sophia, Retrato de Mónica, em que se lê:
A poesia é oferecida a cada pessoa uma só vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Tinham passado anos desde que havia lido este conto. Ontem comprei finalmente os Contos Exemplares e copiei o parágrafo. Não sei se terei falhado completamente a minha tentativa; ou quantas vezes tenho renunciado à santidade nos últimos tempos. Nem sei bem o que é a santidade ou renunciar a ela.

Quanto à série, acabou por ficar sem título. Também talvez não merecesse tal filiação. Houve uma exposição colectiva no final do curso, com direito a noite de inauguração: e essa sim, foi uma noite de promessas. Mas isso é já outra história...

sábado, abril 03, 2004

Ainda a identidade

Lamento: não me conhecer de todo. Assim, passo metade do tempo a desfazer o que faço. Não, não me chamem Penélope. Esse é apenas um dos nomes ao qual respondo; apenas um dos arquétipos que me formam. Vão-se sucedendo, não me fixo em nenhum deles. Há uma pergunta há qual continuo a não saber responder: o que quero?

sexta-feira, abril 02, 2004

Inclinações 1

Em apenas meia dúzia de horas, já alterei algumas vezes tanto o template como a assinatura. Nada de grave, claro, embora saiba bem que a cada mudança corresponde também um desejo diferente para as minhas inclinações. Por isso, vou começar a construir tudo devagarinho, com paciência; com mais paciência que a que tem pautado muitos dos meus projectos, abandonados demasiado depressa depois dos primeiros fervores.
A Menina Inclinada, recorde-se, era-o porque o seu referente de gravidade era diferente; encontrava-se em outro ângulo. O meu centro também muda de posição, assim como as minhas inclinações. Às vezes até coincidem com as dos que me rodeiam.

Vidas escritas

Tem sido o meu livro de cabeceira. Se nunca gostei de conhecer demasiadas coisas acerca dos autores de que gosto, é porque as personagens que povoam o imaginário não têm possibilidade de aí continuar a partir do momento em que se tornam reais. Ou seja: podem ser de carne e osso, estar ao nosso lado, correspondermo-nos com elas; ou podem viver no mundo que sonhamos para elas. Mas não podem viver em dois mundos em simultâneo. É isso que me faz condescender em absoluto com aqueles de quem gosto.
A vantagem das pequenas biografias de Javier Marías é que cada autor é tratado como personagem; é que percebemos também as embirrações de Marías (que eu me prontifico a desculpar, por o tratar a ele mesmo como um ser semi-imaginário). Li, até agora, aqueles que são tratados com ironia mas sem afecto, como ele mesmo avisa. Mann, Joyce, e Mishima. Gosto dos três; até isso eu perdoo a Marías.
inclino-me. face à terra. não escrevo, penso apenas às vezes. em minúsculas apenas quando sonho.
testing, one two three.

vamos a isso.